LETRAMENTO CIENTIFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA


“A população não está preparada para receber informações científicas”. Afirmou Natália Pasternak bióloga e pesquisadora da USP em entrevista concedida ao programa Roda Viva [1]. A afirmação de Pasternak põe em questão um assunto crucial nestes tempos de pandemia: como a população em geral, e de maneira específica, políticos e trabalhadores da área de saúde, tomam decisões quando em questão está o destino da vida humana?  A resposta a essa questão está diretamente relacionada com a elevação exponencial dos números de contaminados e óbitos registrados no Brasil.

Se, em “tempos normais” popularizar conhecimentos científicos já se apresentava como um desafio para nossa sociedade, este desafio parece torna-se ainda maior considerando-se os tempos atuais de incertezas em relação ao futuro e de intensificação da polarização política no país. Este contexto mostrou-se campo fértil para proliferação nefasta das chamadas fake news e pôs a claro a fragilidade de nossas certezas. O que a pandemia veio a nos mostrar é que de fato pouco compreendemos do campo das ciências e do funcionamento dos processos de validação das proposições científicas. Acreditamos em algo como quem se converte a uma religião e pouco questionamos a natureza das fontes das informações que nos chegam.

O que dizer dos chamados comitês de gestão da crise do COVID-19, espalhados por municípios de todo país que sem nenhum embasamento científico decidem pela reabertura das atividades econômicas e pela flexibilização da circulação social em pleno crescimento do número de casos da doença?

Como compreender de forma razoável o fato de que, em busca de soluções milagrosas, a população do país acorra às farmácias em busca de medicamentos como a Ivermectina, que é uma substância neurotóxica[2] cujo uso indiscriminado poderia causar danos ao cérebro e ao sistema nervoso[3]? Ou mesmo, quais justificativas plausíveis podem ser dadas para a indicação de uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para tratamento do vírus SARS-CoV-2 pelo Ministério da Saúde do Brasil quando estudos indicam que as evidências da eficácia são frágeis, de má qualidade e inadequadas[4].          

Como naturalizar a popularização dos chamados testes rápidos para detecção do vírus do COVID-19, comercializados em farmácias de todo país a preços não módicos e cujos resultados comprovadamente não têm nenhum valor científico para o diagnóstico da doença? Mais espantoso ainda e ver estes testes sendo adotados em municípios do país como referência por secretarias municipais de saúde, utilizando-se inclusive para testagem de servidores da saúde.

Se, práticas como as apresentadas acima, que fazem parte do cotidiano do Brasil, não podem ser tomadas como justificativa para alta incidência do corona vírus no país, ao menos podem nos ajudar a analisar o crescimento do números da pandemia no país.  O Brasil segue entre os países do mundo com menor numero de testes aplicados por caso positivo, algo em torno de 2.5 que é um índice de testagem oito vezes menor do que o indicado pela Organização Mundial da Saúde que é de 20 testes. A situação é ainda mais grave considerando-se que grande parte dos testes realizados no país é do tipo testes rápidos cuja eficácia, conforme já apresentamos, é extremamente questionada por especialistas. Do mesmo modo o país vem registrando a triste média semanal de mais de sete mil mortes e mantém um registro diário, que já perduram por 8 semanas, entre 900 a 1.100 mortes.  Este número comparado aos óbitos mundiais varia em torno 18% a 20%, o que significa dizer que aproximadamente uma em cada cinco pessoas que morrem no mundo vive no Brasil.  

Os números da pandemia do dia 19 de julho de 2020 indicavam que o país já contava com 2.098.389 casos de COVID-19, ocupando o segundo lugar em número de casos no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos, conforme indica o Gráfico 1:  

         GRÁFICO 1: DISTRIBUIÇÃO DE CASOS DE COVID-19 NO MUNDO

         Fonte: worldometers - https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries

No mesmo dia o número de óbitos no país chegou a 79.488, cifra que ao que tudo indica pode ser bem maior tendo em vista a baixa testagem que vem empregada no país. Junta-se a esse fator a não inclusão de mortes ocorridas em domicílio, cujo atendimento hospitalar não alcançou somadas as mortes identificadas com síndromes respiratórias graves (SRG) sem a realização dos testes laboratoriais comprobatórios das verdadeiras causas[5].   O Gráfico 2 seguinte registra a posição do Brasil no ranque mundial de óbitos por COVID 19.

GRÁFICO 2: NÚMERO CUMULATIVO DE ÓBITOS POR PAÍSES

         Fonte: worldometers - https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries



[2]  Uma substância neurotoxina é aquela que funciona como veneno, são substâncias químicas altamente tóxicas que envenenam o sistema nervoso central do corpo e impedem que ele funcione adequadamente

[4]  Sobre as pesquisas relativas a eficácia da Cloroquina e Hidrocloroquina no tratamento da COVID-19 ver: https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/artigo/2020/07/18/e-hora-de-fechar-de-vez-o-circo-da-cloroquina

[5] O resultado preliminar da terceira etapa da pesquisa nacional Epicovid-19BR, divulgado no dia 26 de junho, indica que tínhamos então 5.1 vezes mais contaminados do que indicam os dados oficiais.


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