ENTREVISTA MANUEL VICTOR MARTINS DE MATOS
Doutor
em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (UFRJ).
Mestre
em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas (UFRRJ).
Bacharel
em Ciências Econômicas (UFRRJ).
Tem
publicações sobre o desenvolvimento tecnológico, industrial e regional da
indústria petrolífera.
Tema: “DESDOBRAMENTOS ECONÔMICOS PARA A VIDA EM TEMPOS
DE PANDEMIA E PÓS-PANDEMIA”
1.
Por
que a pandemia desestruturou todo o sistema econômico em proporções não vistas
até então?
R: A pandemia afeta sobremaneira as interações entre os diversos atores
do sistema econômico. Os motivos da desestruturação são marcantes em dois
aspectos: o primeiro é relativo à quebra dos elos das cadeias produtivas de
diversas atividades econômicas. Isso ocorre porque as transações comerciais de
partes e componentes de um mundo altamente interligado estão comprometidas. Por
isso, a União Europeia foi uma região muito impactada economicamente, contudo,
é a região com melhores estimativas de recuperação.
O segundo aspecto tem a ver com as implicações na divisão nacional e
internacional do trabalho, ou seja, a alocação da produção e de postos de
trabalho. De pronto, a brusca redução da demanda de atividades levou muitas
empresas a demitir funcionários. Um trabalho da Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe (CEPAL) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado
em 21 de maio, estima que a região terá em torno de 11,5 milhões de novos
desempregados.
Além disso, um ponto importante é que a estrutura produtiva deve
apresentar significativas mudanças, especialmente em países em desenvolvimento.
Alguns países podem perder participação nas cadeias globais de valor, caso as
empresas não consigam manter sua oferta. E quanto ao mercado de trabalho,
alguns processos inovativos que vinham se desenvolvendo, como a automação,
podem ganhar mais espaço paralelo à manutenção do trabalho remoto. A faixa de postos
de trabalho em serviços terceirizados e com menor qualificação sofre mais com a
pandemia devido à precarização e a “uberização” das relações de trabalho. Sem
contar a alta informalidade.
Essas duas engrenagens do sistema econômico afetam diretamente os
orçamentos governamentais e as rendas das empresas e famílias. Os governos se
viram obrigados a realizarem políticas de redução da jornada de trabalho e de
obrigações, políticas expansionistas de gastos em saúde e políticas de
investimento em crédito e suporte financeiro como meio de reduzir os impactos
da quebra de empresas e no desemprego nessas engrenagens. Inclusive, uma
política que visa responder de uma só vez os impactos negativos, utilizada em
países como Portugal, Argentina e França e pouco efetivada no Brasil, foi o
pagamento de parte de salários de funcionários tendo em contrapartida a
obrigação da manutenção da equipe de trabalho por tempo determinado.
2.
Nesse
contexto, a gestão da res publica
assume facetas múltiplas para a superação da crise. Pensar um Estado social é
um caminho possível?
R: Deve ser o único
caminho possível devido ao direcionamento e exigências da sociedade global,
principalmente quanto à questão ambiental e da desigualdade social. A
heterogeneidade estrutural das teses cepalinas está cada vez mais visível e isso
perturba as condições e estruturas econômicas vivenciadas atualmente.
Enquanto estivermos restritos
a um Estado guiado especialmente pelo lado da restrição orçamentária e do
mercado especulativo, estaremos deixando de estimular atividades do lado real
da economia e, consequentemente, novas rendas em famílias e empresas na
recuperação do pós-pandemia. Se um Estado atua sobre estes conceitos, perdemos
a força de indução e de transbordamentos econômicos nas cadeias e sistemas
produtivos, a população perde a oportunidade de captar e desenvolver seus
recursos humanos e financeiros.
Algo essencial em um
Estado social é a boa gestão pública do orçamento em função de análises e
avaliações de políticas públicas e de custo-benefício para demonstrar de forma
clara à sociedade os seus efeitos potenciais. Com a escassez de recursos as
políticas públicas devem ser estratégicas, eficientes e levar em conta que a
superação mais rápida da pior crise econômica da história mundial depende de
uma série de estímulos ao desenvolvimento tecnológico, ambiental e social. Não
necessariamente são estímulos financeiros ou subsídios, mas podem ser, por
exemplo, um incentivo a ações de cooperação entre atores e de construção de
regulamentos preditivos. Porém, o sucesso a médio prazo dessas políticas
depende da capacidade e competências do Estado, ademais, a redução de desigualdades regionais
e sociais.
3.
A
Bahia foi o estado mais afetado pela pandemia no setor do turismo. Qual a
estimativa para retorno das atividades econômicas de ampla circulação?
R: Essa é a questão que
todos gostariam de ter uma resposta mais assertiva. Como foi permitido que o
vírus se espalhasse para diversas regiões do país e nem todos os estados
conseguem coletar um bom volume de dados de testagem e de taxa de contágio e
letalidade, para o retorno das atividades turísticas a níveis pré-pandemia é
necessário o desenvolvimento de uma vacina ou a descoberta de um medicamento
eficaz.
A dificuldade encontrada
pelos pesquisadores tem relação, especialmente, com a capacidade de mutação da
Covid-19. Apesar de alguns avanços com o medicamento dexametasona,
este tem baixa eficácia e serve apenas aos pacientes mais graves. Caso
não seja encontrado um medicamento nos próximos meses, a melhor estimativa no
Brasil é da parceria com o laboratório da Universidade de Oxford que pode iniciar
a distribuição de vacinas em dezembro e janeiro para a população de maior risco.
Além disso, há a incerteza quanto ao tempo de imunização que uma vacina pode
alcançar.
A torcida é para que a
partir do verão de 2021 os principais centros turísticos brasileiros possam
recuperar parte das perdas com a pandemia. Porque com uma população imunizada
de 30 milhões de brasileiros, conforme prevê a parceria citada, há maior
segurança para o turista realizar viagens.
4.
O
Brasil entrou em parceria com a Universidade de Oxford e AstraZeneca para
produção de vacina contra Covid-19. O que isso significa para o cenário
econômico?
R: No Brasil, a
participação na iniciativa internacional para acelerar a produção de uma vacina
é recente e existe uma discussão sobre o seu acesso e distribuição entre os
países. Como em qualquer indústria, quem detém do conhecimento e insumos para
produção fica à frente dos demais. Uma parceria importante foi confirmada com o
laboratório da Universidade de Oxford, que tem um dos desenvolvimentos mais
avançados segundo a OMS. Serão investidos 1,5 bilhões de reais pelo governo
brasileiro. A parceria tem um efeito de desenvolvimento tecnológico e pode ter
um efeito no atendimento da futura demanda nacional e no comércio externo da
vacina.
O desenvolvimento
tecnológico e inovativo desta parceria representa um ganho muito importante de
aprendizado devido a transferência de conhecimento e as trocas de informações e
insumos importados. A Fiocruz é uma instituição com diversas experiências e competências
científicas e produtivas, em especial na área de virologia. Sem dúvida, caso
sejam necessárias adaptações futuras no desenvolvimento da vacina, a
instituição será mais hábil na resposta.
Participar deste processo
de busca da vacina para COVID-19 habilita a instituição centenária para
produção desta, quando for comprovada a imunização, e para disseminação do
processo produtivo em outras instituições. Com a vacina, acredita-se que poderemos
reabrir todas as atividades econômicas e retomar as ligações da cadeia
produtiva global. Além disso, suprimida a demanda interna, pode ser possível
ofertar doses a outros países do mundo e obter ganhos em um mercado que o país
se faz presente a muito tempo.
5.
Quais
os impactos econômicos na vida prática da população brasileira pós-pandemia?
R: Antes de mais nada, a
crise econômica brasileira deve se manter por um tempo maior do que em outros
países porque as nossas respostas de enfrentamento ao vírus não foram eficazes
o bastante para conter a transmissão nas diferentes regiões do país. A
oscilação do número de infectados devem se manter até termos uma vacina,
podendo haver crises de atendimento na saúde pública e afetando especialmente a
atividade de serviços.
Em termos de renda, depende
de cada região, como foi possível manter os empregos e os níveis do salário e
lucro. A informalidade tende a alcançar níveis ainda maiores e grande parte da
população deve enfrentar dificuldades de se recolocar no mercado de trabalho e
voltar a ter o poder de compra anterior, pois a recuperação tende a ser lenta. As
empresas precisam se acomodar aos preços de mercado, em alguns casos, será
importante atrair e se readequar ao interesse do consumidor para retomar a
demanda.
6.
Como
entender o novo normal nas relações de troca no sistema capitalista?
R: O novo normal nada
mais é do que a prioridade na redução do contato humano, por meio de práticas,
tecnologias, cuidados visando a redução da possibilidade de contágio da COVID-19
e a abertura de algumas atividades. Então, a tendência da digitalização dos
processos e interações já existente no sistema capitalista deve se consolidar e
se tornar algo fundamental. As empresas com experiências nestas tecnologias puderam
responder melhor à crise com a automação e o trabalho remoto.
Um ponto que o novo
normal também intensificou é sobre a maior pressão da sociedade por processos
produtivos mais sustentáveis. O risco de novas doenças e vírus vem aumentando
ao longo dos anos e especialistas apontam para o degelo e as condições de
matadouros para produção de carnes. O devido cuidado, consciência e atenção ao
meio ambiente, aos alimentos e aos recursos naturais faz com que algumas
empresas se utilizem das melhores práticas existentes em prol do
desenvolvimento econômico sustentável à custa de perder valor de sua marca, dos
investidores não aportarem e dos consumidores procurarem outros produtos.
Em outras palavras, o
“normal” era uma constante crise em um mundo que, grosso modo, vive em uma
estrutura social sem muita empatia e cheia de desigualdades de raça, credo,
classe social e cor da pele. Esta crise é potencializada pela pandemia e o novo
normal perpassa por uma reestruturação social e econômica mais participativa
apesar do menor contato físico. Ou seja, vivemos uma oportunidade de quem sabe
ter uma sociedade mais justa e sustentável usando a força das políticas
públicas e os esforços inovativos.
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