DE OLHO NO MUNDO: Encarcerados ao som de lanterna dos afogados


“Quando está escuro e ninguém te ouve…” esse trecho da canção dos Paralamas do Sucesso bem que poderia retratar um pouco do cenário vivido pelos marginalizados em todo o mundo, dentre eles os que se encontram no interior dos sistemas penitenciários. Sabemos também que cada país tem sua própria forma de condução que não pode ser generalizada, tendo em comum a privação da liberdade, dessa forma, as especificidades vão, por exemplo, desde a considerada “utopia das prisões” (Noruega, considerado o país com o cárcere mais agradável do mundo), ao Brasil, com superpopulação dentro das celas, e em muitos casos com uma crueldade travestida de justiça com condições sub humanas de convivência, violentas e chocantes na qual muitos indivíduos estão submetidos dentro dos calabouços e das prisões.

De acordo com Fernando Caulyt em 2018, EUA, China, Brasil, Rússia, Índia, Tailândia, Indonésia, Irã e México são os dez países que, desde a década de 1980, tem o maior índice de crescimento de pessoas encarceradas e o mantém até hoje, correspondendo a mais de 60% da soma prisional do mundo. Diante desse quadro, como refletir acerca dos impactos do novo coronavírus para os indivíduos encarcerados, sobretudo, àqueles que se encontram em confinamentos com superlotação?

No dia 16 de junho, do ano corrente, Fábio Teixeira, apresentou uma reportagem de denúncia pela agência informativa Reuters,  trazendo o caso do Brasil, um país com 300 mil detentos a mais do que o sistema prisional suporta, e contabilizando até 27 de junho, só no complexo do Distrito Federal 1.293 casos confirmados por conta do covid-19, destes 1.166 recuperados. Estes são dados oficiais, que na realidade podemos problematizar e inferir possíveis subnotificações na qual certamente há mais mortos por conta do vírus nas prisões de todo o país, do que as fontes oficiais tem divulgado.

O fato é que a própria condição pandêmica que nos deparamos tem propiciado um clima de pânico aos confinados das prisões, marginalizados pela sociedade, e alvos da afirmação: "bandido bom é bandido morto", só podem contar com o apelo dos “céus”, em busca de uma dignidade que a rigor deveria ser para todos. O repórter, acima citado, traz o relato de um dos detentos que informou que eles passam os dias chorando e rezando com medo de contrair covid-19, pedindo por melhores condições sanitárias, fim do aglomeramento, e melhor assistência, traduzidas em suas palavras: O terror que a gente está sofrendo... está fazendo a gente passar mal…”

Diante desse caos, o contexto é encarado como sendo uma verdadeira sentença de morte, na qual o coronavírus dentro das prisões funciona como uma espécie de bomba biológica, conforme a avaliação da professora da UnB, Camila Prado. Em julho, mais precisamente dia 03, foi publicada uma notícia no jornal Gazeta do Povo, informando que nos EUA mais de 50 mil pessoas foram infectadas nas prisões, confirmando 616 óbitos, destes 43 funcionários. Este número expressivo apresenta uma das preocupações iniciais de ativistas dos movimentos sociais e direitos humanos: em uma necessidade de isolamento social, por conta da pandemia como lidar com o sistema carcerário?

A invasão do coronavírus nas prisões faz soar o alarme nesses espaços, já nos primeiros meses da pandemia, fugas em massa e motins acometeram vários países, a exemplo do presídio Guanare da Venezuela, onde uma rebelião em decorrência do receio a doença, provocou 47 mortos (alguns chegam a mencionar 60) e mais 75 feridos. Na Argentina, Colômbia, Peru e México também houve registros similares. O continente europeu também registrou casos de tensões, tumultos e crises nas prisões, em abril a França reduziu o número de detidos em 6.200, o governo britânico liberou 4.000 detentos e a Grécia 1.500, o Irã libertou temporariamente 54.000 presos. Outros países também ordenaram a libertação antecipada de presos com penas mais brandas a fim de conter o avanço da covid nesses espaços.

A polêmica em torno disso tem gerado indagação e indignação popular que de se divide entre a defesa da manutenção do isolamento social e liberação provisória dos presos e de outro que não libere, mas garanta, a assistência necessária de vida e a saúde a estes, isso sem contar com uma massa de indiferentes que não se importa com essa questão.

No caso do Brasil, a pandemia também descortina desigualdades sociais, no país em que a maioria dos encarcerados são jovens negros e pobres, pensar na tentativa de coibição da proliferação do vírus, tem revelado as condições de insalubridade, violência, alimentação precária, superlotação, discriminação e outros problemas decorrentes disso, que deflagram uma necessidade urgente de se repensar  o sistema carcerário no país e em outras nações com problemas similares para além do covid-19.

A pandemia que estamos vivenciando ao impor o isolamento social como principal inibidor da proliferação do vírus, tem propiciado um enclausuramento das pessoas (em suas casas), e não são poucos os relatos de angústia, incerteza, tédio, e outros sentimentos que tem aflorado diante desse quadro de quarentena mundial, uma espécie de prisão sem cometimento de crime. Diante dessa realidade cabe aqui uma reflexão, com todas as distinções cabíveis ao se comparar ao sistema carcerário: as pessoas de uma forma geral tem tido mais empatia com os encarcerados? Ao se sentirem “presas” por conta da covid-19, tem refletido acerca daqueles que se encontram confinados nos cárceres muitas vezes sem condições básicas de higiene? Ou continuamos cantarolando a canção Teatro dos Vampiros de Legião Urbana, “quando comparamos nossas vidas e mesmo assim não (temos) pena de ninguém.”



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